Como o calçado português conquistou o mundo

Calçado português

É o setor que está a atingir os dois mil milhões anuais em exportações, ultrapassando os 100% de fluxo de exportação e quebrando recordes históricos, e que se autointitula o “mais sexy” não só em Portugal, mas em toda a Europa. O calçado em Portugal tem percorrido um longo caminho nos últimos anos e está a tornar-se um caso de sucesso internacional, a cada ano conseguindo chegar ainda mais longe, tanto em números como na própria presença geográfica em outros mercados.

O percurso do calçado português nos últimos anos

A transformação do setor de calçado em Portugal não foi tão rápida como parece, tendo ocorrido no decorrer das últimas duas décadas e sobretudo nos últimos dez anos, mas é agora que se começam a observar os resultados dessa mudança.

Historicamente, o setor do calçado português era caraterizado por uma indústria tradicional, de mão-de-obra intensiva. No entanto, com o êxodo das empresas multinacionais para países de mão-de-obra mais barata no princípio do século XXI, o setor viu a necessidade de mudar para não morrer. O resultado? Enquanto os derrotistas anunciavam a queda do calçado português, a indústria apostou na qualidade e na tecnologia, elevando-se de produtos baratos para um nível em que “Made in Portugal” é sinônimo de excelência a nível internacional, especialmente na Europa.

Atualmente, segundo dados da APICCAPS (a Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes e Artigos de Pele e seus Sucedâneos), Portugal foi responsável pela exportação de mais de 81,6 mil milhões de pares de sapatos em 2016, avaliados em mais de 1,9 mil milhões de euros, um recorde que acentua sete anos consecutivos de crescimento. Agora, em vez de ser a unidade produtiva subcontratada por empresas internacionais, o setor do calçado português destaca-se pela prevalência de marcas nacionais no setor internacional, tais como Luís Onofre, Josefinas, Fly London, Dkode, Ambitious e Nobrand, entre outras.

As razões do sucesso no calçado

Existem vários fatores que contribuíram para o caso de sucesso de Portugal no calçado, tanto externos como internos, mas podemos definir os seguintes como sendo os principais propulsionadores desta indústria: o savoir-faire construído através de décadas de trabalho árduo, combinado com as inovações tecnológicas e o marketing criativo e inteligente, ambos trazidos pela geração atual de empreendedores portugueses.

savoir-faire português

Como já referido, Portugal tem uma longa história no setor de calçado, construída sobre o empenho e talento da mão-de-obra portuguesa, a qual, apesar de barata e mal reconhecida durante muito tempo, sempre se destacou pela sua qualidade e talento. Mesmo após o fim da subcontratação em Portugal a favor dos países asiáticos, onde a mão-de-obra conseguia ser ainda mais barata, o setor do calçado continuou a ter uma verdadeira legião de trabalhadores qualificados, cuja experiência e conhecimento prático rivalizava as melhores produções europeias.

A história podia ter ficado por aí, mas o setor de calçado, abandonado e condenado à extinção, chamou a atenção de um público inesperado: os próprios portugueses, mais especificamente empreendedores portugueses que viram a oportunidade de pegar neste potencial e traduzi-lo em novas marcas portuguesas, para todo o tipo de calçado, que seriam sinónimo de luxo e qualidade.

Tal só foi possível porque este savoir-faire havia sido desenvolvido ao longo das décadas, tornando os profissionais portugueses alguns dos melhores do mundo. Assim, enquanto as marcas internacionais optaram pelos mercados asiáticos com base nos custos, Portugal investiu em si mesmo, apostando na qualidade que apenas décadas de conhecimento podem trazer para nos distinguir, tanto no mercado europeu como pelo resto do mundo.

Um bom exemplo de uma empresa portuguesa que aproveitou este savoir-faire é a Josefinas. Com a intenção de criar apenas os melhores produtos e trazer individualidade a cada unidade produzida, a Josefinas aposta no calçado português com peças feitas à mão exclusivamente por artesãos portugueses. É o talento português que traz vida à Josefinas e aos seus sapatos, e é graças a esse conhecimento e essa qualidade que a marca se posicionou como marca de luxo, em que cada par de sapatos é único, de elevada qualidade e feito à mão.

A tecnologia

Se há outro setor em que Portugal também se tem destacado nos últimos anos, é o setor tecnológico. Portugal é cada vez mais a “nação startup” e os empreendedores do calçado não ficam indiferentes a este facto, usando a tecnologia para distinguir ainda mais Portugal no contexto internacional. De facto, a APICCAPS refere que, até ao final da década, deverão ser investidos 160 milhões em inovação, internacionalização e qualificação de forma a expandir ainda mais a presença do calçado português pelo mundo.

Um dos principais fatores tecnológicos que elevou as marcas portuguesas para um novo patamar foi o e-commerce. Graças às lojas online, o calçado português conseguiu chegar diretamente ao consumidor final, um feito tendo em conta que era um setor tradicionalmente de outsourcing, o que também significa que, em vez de ser conhecido apenas por ser a produção para marcas internacionais, passou a ter uma presença de vendas através de uma nova plataforma que vai diretamente ao consumidor, sem qualquer intermediário.

Em particular, embora não sendo exclusivamente do setor do calçado, uma empresa destaca-se como exemplo máximo de como o investimento tecnológico português pode abrir novas fronteiras. A Farfetch, o famoso primeiro “unicórnio” de origem portuguesa (significando que a empresa foi avaliada em mais de mil milhões de euros), começou em 2007 porque o fundador, José Neves – que começou ele próprio no setor de calçado, primeiro criando software para as indústrias de calçado e têxtil, depois criando a sua marca de calçado –, reconheceu uma oportunidade de ajudar as pequenas e médias empresas do setor da moda a entrarem no e-commerce. É este potencial tecnológico que ajuda o calçado português, tal como o restante setor da moda, a espalhar-se pelo mundo e a ganhar novo reconhecimento.

O marketing

“Made in Portugal” não é, tradicionalmente, sinónimo de qualidade e savoir-faire, sobretudo no setor do calçado. No entanto, graças ao trabalho incansável de diversas marcas ao longo dos últimos anos, é este o significado que a expressão tem no panorama internacional, ficando apenas atrás do “Made in Italy” no contexto europeu.

Marcas portuguesas descobriram maneiras de se diferenciarem, assentes não só em indicar a qualidade que o know-how português produz, mas também em descobrir segmentos de mercado pouco explorados e conquistar uma posição forte no mesmo – por exemplo, a marca Marita Moreno, que lançou recentemente uma linha de calçado unissexo Vegan, que assenta em evitar a utilização de componentes e exploração animal no processo de fabricação, e uma linha What about Skin cujos padrões relembram azulejos portugueses.

Desta forma, não só o calçado português se distingue pelo fator da qualidade, como também a própria mensagem e posicionamento trazem, muitas vezes, um tom inovador, irreverente e/ou único para as marcas. “Made in Portugal” passa assim a ser não só um sinónimo de qualidade, como também de personalidade, de estilo e de moda, tornando Portugal uma fonte de marcas que conquistam a lealdade e a paixão dos clientes.

Atualmente, o calçado português procura posicionar-se como sendo o setor “sensual” e “sexy”, em parte para atrair mais profissionais jovens, mas também simbólico da evolução que este setor sofreu nas últimas duas décadas. De uma indústria velha e dada como morta surgiu um setor rejuvenescido, com uma nova presença e uma nova comunicação, as quais continuam a evoluir e a impor-se cada vez mais pelo mundo.

O futuro do calçado português

O calçado português está bem e recomenda-se, mas ainda há um caminho a percorrer no futuro próximo.

Embora Portugal já tenha conquistado a Europa neste setor, os Estados Unidos estão ainda muito por explorar. O objetivo em geral para o setor português do calçado, e inclusive para a APICCAPS, é conquistar o mercado americano tal como já se fez com o europeu, um desafio que não será fácil mas para o qual o setor já provou estar ao nível – na verdade, os Estados Unidos são já o mercado para o qual Portugal mais exporta fora da União Europeia, mas com o potencial de crescer ainda mais.

Descobrir outros nichos com elevado poder de compra é outro grande desafio para o calçado português, dado que, associada à qualidade e às marcas, vem um preço mais elevado que nem todos os mercados considerarão apelativos. Neste caso, a Ásia tem o potencial de surpreender com nichos de mercado ainda por explorar, mas conseguir descobrir, entrar e estabelecer presença nos mesmos será um desafio que Portugal terá de conquistar para continuar a crescer nesta indústria.

Conclusão

No setor do calçado, Portugal não dá passos, mas sim saltos que cada vez mais o elevam como referência a nível multinacional, graças a um mundo globalizado, a profissionais com savoir-faire acumulado por décadas de excelência e a empreendedores capazes de reconhecer todo o seu potencial. O futuro imediato prevê-se cada vez mais risonho, com o desafio de sair mais da Europa e descobrir novos nichos de mercado, e quebrar o recorde de dois mil milhões de euros em exportações é uma realidade que já deverá alcançar em 2017.

Portugal conseguiu, em passo acelerado, pôr-se nos pés do mundo – e o segredo foi reconhecer o que já tínhamos de melhor e as oportunidades que as novas tecnologias trouxeram para dar a conhecer essa qualidade lá fora.